PROJETO COMPARTILHAR

Coordenação: Bartyra Sette e Regina Moraes Junqueira

www.projetocompartilhar.org

 

Família “Anastácio de Moraes Camargo”, neste site.

 

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Juízo de Orfãos

 

Serie Auto de Libelo

Ano 1808 - Processo 13146 -Doc nº 008 - Nº de ordem: C 05404

Fotografado em 27-02-2010 por Rodnei Brunete da Cruz a pedido de Regina Junqueira

Coleta de dados a partir das fotos e resumo: Regina Junqueira

 

Autores: Matheus e Gertrudes, escravos que foram do Capitão Anastácio de Moraes Camargo

Réus: D. Anna Maria Teixeira, viúva e mais herdeiros do Capitão Anastácio de Moraes Camargo, que são: Fernando Antonio de Moraes, por cabeça de sua mulher Izabel de Moraes Camargo; Alferes Manoel Jose de Moraes e seu tutor Manoel José Machado.

 

Aos 25-10-1808 Joaquim Antonio Furquim procurador dos autores Mathias e Gertrudes escravos que foram do Capitão Anastácio de Moraes Camargo pede para serem citados D. Anna Maria Teixeira viúva do dito Capitão, Manoel Jose de Moraes, Fernando Antonio de Moraes e o tutor Manoel Jose Machado para se manifestarem em um libelo cível que moviam.

Foram todos citados no bairro de Pirapora da Freguesia de Santo Amaro.

 

Dizem Matheus e Gertrudes que:

Embora vivessem com o Capitão Anastácio de Moraes Camargo como escravos, os autores não o podem ser porque  era fama publica que os autores são filhos do denominado seu Senhor, havidos de uma sua escrava mãe dos Autores e próximo à morte mas em seu perfeito juízo o Capitão declarou que deixava forros e libertos os autores, em frente a testemunhas entre as quais o pároco daquela freguesia.

 

Querem que por fim os autores sejam declarados forros e libertos e a viúva e herdeiros sejam obrigados a abrir mão dos mesmos.

 

Aos 18-10-1808 comparece Fernando Antonio de Moraes, genro de Anastácio de Moraes Camargo, constituindo por seus procuradores Dr Manoel Joaquim Ornellas, João Moreira da Rocha, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Manoel Eufrásio de Azevedo Marques, e os solicitadores de causa Joaquim Antonio Furquim, Jose Joaquim de Jesus e Silva, Antonio Joaquim Furquim ---tino, Jose Fernandes de Almeida, Jose Manoel Soares.

A 23-10 Alferes Manoel Jose de Moraes redigiu procuração nomeando os mesmos para representa-lo na ação (redigida e assinada de próprio punho, foto 3129)

A 24-10 o Tenente Manoel Jose Machado faz o mesmo como tutor do órfão Manoel Jose de Moraes.

 

05-11-1808, o Capitão Joaquim Pedroso de Oliveira se apresenta como fiador de Mathias e Gertrudes.

 

Dr Manoel Joaquim de Ornellas apresenta a contestação em nome da viúva e herdeiros alegando que os Autores sempre foram tidos e havidos por escravos do casal do falecido Capitão Anastácio, nascidos de uma escrava do mesmo casal. Que a fama de que poderiam ser filhos do Capitão foi uma falsidade e impostura espalhada pela escrava mãe dos autores. Também dizem ser falsa a alegação de que o Capitão disse que os autores não serviriam seus herdeiros, e mesmo que dissesse, isso não prova que seriam seus filhos. E sobre a alforria supostamente prometida no leito de morte não tem valor legal por não ter sido colocada em testamento ou codicilho.

 

Testemunhas dos autores

1- Vicente de Moraes Pires, homem branco morador em Pirapora, vive de sua lavoura, 74 anos, disse ser tio carnal do falecido marido e pai dos réus. Disse que os autores eram filhos da mulata Efigenia escrava do Capitão Anastácio e que ele testemunha os reputava filhos do Capitão pela “estimação” que o Capitão lhes dedicava e também pela semelhança que ele testemunha via entre os autores e o Capitão. E que ouvira do Capitão em seu leito de morte que os deixava forros.

2- Jose da Cruz Pinto, casado, natural desta cidade morador em Pirapora, vive de suas lavouras, 44 anos. Disse que era compadre da mulata Efigenia, mãe dos autores. Disse que ouviu dizer do vigário e de seu sogro Vicente de Moraes Pires que o Capitão Anastácio declarou perto de sua morte que deixava forros aqueles dois mulatinhos.

3- Jose Leme da Silva, branco, viúvo, natural de Santo Amaro, vive de suas agencias, 78 anos, parente em terceiro grau o falecido Capitão e compadre da mulata Efigenia. Disse que o capitão tratava os autores com “estimação de filhos”.

4- O Sacristão Bento Francisco de Andrade da freguesia de S Amaro, branco, solteiro, vive de suas agencias, 20 anos pouco mais ou menos. Disse que somente sabe por ver que os autores são filhos de branco e que embora seus irmãos também o possam ser, estes dois são mais claros. E que ouviu falar na freguesia que são filhos do Capitão Anastácio. Disse que ouviu o Capitão dizer que queria fazer testamento para alforriar os dois, mas não houve tempo. Estavam também presentes o vigário Benedito da Assunção Freire e Vicente de Moraes

5- Mariana de Jesus, mulher branca, viúva, moradores de Santo Amaro, 57 anos, comadre do falecido Capitão Anastácio. Pela familiaridade que tinha com o Capitão, sabia que os “mulatinhos” criados em casa dele, eram filhos da mulata Efigenia e diziam que filhos do Capitão.

6- Francisco Dias de Moraes, homem branco, casado, natural da freguesia da Cutia, e presentemente morador no bairro de Buhu, 32 anos, compadre do Alferes Manoel Jose de Moraes. Disse que somente sabe que são filhos de brancos porque mostram pela cor, assim como seus irmãos. E que estando ausente ao voltar encontrou o Capitão já morto então ouviu dizer que ele alforriara os autores.

7- Joaquim Vaz Domingues, homem branco, casado, natural de Santo Amaro, morador no bairro de Pirapora, disse que os autores têm fama de filhos do Capitão não só porque se parecem mais com ele do que os outros seus irmãos mas também porque ele testemunha via a estimação com que o Capitão tratava a mulata Efigenia e seus filhos, especialmente os dois autores. E que o Capitão havia comprado um casal de escravos para dar de dote à filha porque não queria dar os filhos da mulata Efigenia.

 

TESTEMUNHAS DOS REUS

1- Maximiano Antonio de Almeida, solteiro, natural de Santo Amaro, 43 anos, vive de suas lavouras, Disse que os autores sempre foram tidos por escravos do Capitão Anastácio, por serem filhos de uma escrava dele. Que depois da morte do Capitão a mãe dos autores “publica” que eles são filhos do Capitão e que ela anda fugida.

2- Francisco Xavier de Paula, casado, vive de suas lavouras, natural de Santo Amaro, 30 anos, compadre de Manoel Jose de Moraes. Disse que os autores sempre foram escravos do casal por serem filhos de escrava do mesmo casal. Que nunca ouviu dizer que os autores fossem filhos do Capitão mas que depois da morte dele ouviu de varias pessoas que eram filhos do Capitão, por fama espalhada pela mulata Efigenia, mãe deles e que por isso andava fugida da casa dos réus.

3- Francisco Xavier da Luz, solteiro, 44 anos, vive de suas lavouras. Disse que era notório que os autores eram escravos do casal do falecido Capitão, filhos de uma sua escrava chamada Efigenia. Que nunca ouviu dizer que fossem filhos do Capitão e que a mulata anda fugida. Que ouviu dizer que no leito de morte o Capitão deixara forros os autores.

4- Martinho Dias Vieira, branco, casado, natural de Santo Amaro, 46 anos, compadre de Fernando Antonio de Moraes. Que nunca ouvira serem os autores filhos do Capitão, sempre todos sabiam que eram escravos. Só depois da morte dele é que rumores apareceram.

5- Francisco Ferreira de Camargo, casado, natural de Santo Amaro, 47 anos, vive de sua lavoura, disse ser parente do Capitão Anastácio em grau que ignora. Disse que sabe por ser morador em Santo Amaro que os autores sempre foram tidos por escravos do casal do falecido Capitão Anastácio. Que ouviu dizer que a mulata Efigenia andava fugida e que antes de morrer o Capitão deixara livres os autores.

6- Francisco Jose Joaquim, natural de Santo Amaro, 32 anos. Disse que sempre os autores foram tidos e havidos por escravos e nunca ouviu dizer que fossem filhos do Capitão Anastácio.E que depois da morte do Capitão tem ouvido dizer que a mãe dos autores anda dizendo que eles são filhos do falecido Capitão.Que os réus são pessoas honradas etc.

7- Salvador Dias da Silva, branco, casado, natural e morador de Santo Amaro, 46 anos, vive de suas lavouras, parente em 3º grau de afinidade dos réus. Deu o mesmo testemunho dos demais.

8- Pedro Mendes Raposo, casado natural da Cutia e morador em Santo Amaro, vive de suas lavouras, 31 anos. Mesmo depoimento.

9- Joaquim Pinto de Queiroz, casado, natural e morador na Cutia, 31 anos. Que sempre soube que os autores eram escravos do Capitão e ouviu dizer depois de sua morte que seriam filhos dele. Ouviu de seu irmão José da Cruz Pinto que próximo da morte o Capitão dissera que queria alforriar os autores. Que os réus são pessoas dignas e honradas.

10- Antonio Domingues da Silva, casado, natural de Santo Amaro, 38 anos. Sabe por ver e ser publico que os réus são escravos do casal do falecido Capitão. Que ouviu de Joaquim Gonçalves de (Moraes?) e Francisco Gonçalves seu filho, e outras pessoas que não lembra o nome, que depois da morte do Capitão se divulgara serem filhos dele. Que sabe que os réus são pessoas de reconhecida probidade.

 

Fim dos depoimentos e contas.

03-04-1809 – Conclusão dos advogados dos autores, considerando que havia sido provado que o Capitão os alforriara e pedindo então a liberdade em nome, entre outros argumentos, da igualdade entre irmãos.

À margem o juiz escreve que nada foi provado a não ser que a fama de serem filhos do Capitão foi “plantada” pela mãe dos autores depois da morte do Capitão. E que a alforria só pode ser alcançada por documento hábil, como testamento ou codicilio, o que não existe no caso. Ou testamento nunciativo com seis testemunhas, o que também não havia.

 

“Antonio Benedito da Assunção Vigário Colado nesta Igreja da Freguesia de Santo Amaro por Apresentassam de S Az Real o Príncipe Regente N Senhor que Dos Guarde.

Atesto e faço certo que existo nesta freguesia desde o anno de mil setecentos e noventa e três the o presente sempre tenho houvido pessoas que me dem A entendeder que o falecido Capitam Anastácio de Moraes e Camargo tinha filhos de huma escrava sua e achando me com elle para administrar-lhe sacramentos na ultima emfermidade entam formei juízo quase certo --- de que os Suplicantes Matheos e Gertrudes eram com effeito seos filhos pelo extraordinário e exesivo cuidado que elle tinha dos ditos declarando-os forros e instando-me repetidas vezes para que lhe fizesse seo testamento e tudo, o fim e quase a unica disposisam era somente dizer-me = Matheos e Gertrudes que fiquem forros= e vendo-me que os simpthomas eram de aproximar-se a morte e querendo o socegar-lhe o espírito daquela inquietassam com que tanto se afligia tratei de o persuadir que estavam forros visto ter assim declarado na minha presença e de duas testemunhas que ali comigo estavam as quais eram o meo Sacristam Bento Francisco de Andrade e Vicente de Moraes Pires (e o fez para tira-lo daquela grande aflição e também por lhe parecer que não haveria mulher ou filho que deixassem de cumprir a ultima vontade de seu marido ou pai).

No dia seguinte, antes de sair do sitio do Capitão Anastácio e na presença das duas testemunhas disse à viúva D. Anna Maria Teixeira a disposição de seu marido e também ao filho e ambos responderam que não tinham duvida em cumprir o que tinha sido dito.por seu marido e pai.

Santo Amaro, 21 de Fevereiro de 1809.

 

O Advogado do Réus contesta as alegações dos autores, refutando o argumento do tratamento diferencial que o Capitão lhes dava (colocando-os à sua mesa e cama), alegando que tratava assim também outros crioulos seus escravos, como os irmãos dos autores. Que o fato de se pareceram com o Capitão também não era relevante, já que havia muitas pessoas que se pareciam sem ter parentesco. Também afasta o principio de “fama publica” porque todas as testemunhas dos réus disseram ser de conhecimento publico que os autores eram escravos do Capitão e só depois de sua morte os rumores apareceram espalhados pela mulata mãe dos autores. E mesmo se fossem filhos isso não lhes garantia a alforria porque a alforria não depende da filiação.

 

Que a disposição de ultima vontade feita ao Padre na presença de duas testemunhas não pode ser tomada como testamento nunciativo porque a lei exige pelo menos seis testemunhas e outras formalidades.

 

Certidão de nascimento de Matheus passada aos 14-05-1810 pelo Vigário Colado Antonio Bernardo da Assunção:

“Certifico que revendo o livro competente nelle a fls 80v(86v ou 88v?) se acha o assento de theor seguinte: Aos vinte e oito de Setembro de mil setcentos e noventa e sete nesta Igreja Matriz de Santo Amaro baptizei e puz os Santos Óleos a Matheus filho de pai incógnito e de Efigenia solteira escrava do Capitam Anastácio de Moraes Camargo padrinhos Luiz Manoel de Moraes casado e Ursula de Moraes solteira filha de Vicente de Moraes todos desta Freguesia = o Coadjutor Carlos Antonio da Silveira”

 

Ao longo dos depoimentos, nas margens deles, o juiz foi anotando sua opinião, indeferindo os pedidos dos autores porque a alegada “filiação” não foi provada, apenas a “fama” levantada pela mãe deles, após a morte do Capitão. A alforria também não seria legal pela simples expressão da vontade do Capitão em seus últimos momentos. Pela lei, só valeria por documento específico, testamento, codicillo ou testamento nunciativo com as solenidades e testemunhas previstas em lei. Ainda mais porque o Capitão morava em Santo Amaro, povoação grande onde facilmente e a qualquer momento poderia ter feito codicillo ou mesmo reunido seis testemunhas para o nunciativo.

Desta forma os pedidos dos autores foram indeferidos.