PROJETO COMPARTILHAR

Coordenação: Bartyra Sette e Regina Moraes Junqueira

www.projetocompartilhar.org

 

 

BENTO FRANCISCO SIMÕES

 

Moacyr Villela

 

Pequeno relato da trajetória de vida de Bento Francisco Simões e sua família, baseado nos documentos de vários arquivos de Minas Gerais e São Paulo

Bento Francisco Simões português natural de Braga, de acordo com os estudos publicados no Projeto Compartilhar (www.projetocompartilhar.org), casou duas vezes (Família Francisco Rodrigues Neves- filha numero 1 e Família Antonio de Sousa Ferreirafilha numero 9), e podemos acompanhar sua trajetória de vida e a da sua família através de documentos vários nos arquivos mineiros e paulistas. Segue uma trajetória que em certa medida repete um dos padrões familiares que esta na base da formação da população Mineira e Paulista da segunda metade do século XVIII. Um português que vem solteiro do Continente ou das Ilhas e que se casa com moça nascida na terra.

Bento Francisco nasceu na década de vinte do século XVIII na “freguesia de São Salvador, Arcebispado de Braga” e deve ter se casado por volta de 1750 com Maria Rodrigues de Jesus batizada em 1737 na capela de Nossa Senhora da Conceição da Barra junto ao Rio das Mortes – Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais

Ao se casar Maria levou como parte de seu dote umas terras de sesmaria que tinham sido concedidas à seu pai na Freguesia de Carrancas, entre o Rio Ingai e o Morro da Fortaleza. Naquelas terras prosperava uma agricultura produtora de milho, feijão, mamona. Extração e processamento de madeira. Produção de toucinho, farinha de milho e mandioca. Óleo de mamona e polvilho além de outros alimentos que eram levados pelas tropas das fazendas ate as Vilas de São João e São Jose. Terras férteis e ainda pouco exploradas de “Matos virgens e campos de criar” e bem localizadas no caminho que ligava São João com as Minas de ouro da Campanha do Rio Verde ainda em plena exploração e que traziam prosperidade à região.

Como era habitual nas Minas Gerais, as concessões de sesmaria se faziam sobre terras que tinham sido ocupadas por posse ou compradas de posseiros que ali tinham se instalado antes. Essa sesmaria a que nos referimos não foge a regra. O pai de Maria Rodrigues tinha comprado terras na década de 1730 “ao primeiro ocupante”: “Antonio de Sousa, vulgo O Trapalha e a seu genro Manoel Pereira”. Outras partes foram compradas a Jose da Silva e outras mais a Matias Francisco de Azevedo:

 “Todas contiguas e hoje fazem um só corpo”.

“Francisco Rodrigues Neves dotou com aquelas terras a sua filha, para ela se casar com Bento Francisco e nelas moraram e cultivaram muitos anos”

Mas cedo se interrompeu esse primeiro casamento. Maria Rodrigues faleceu em 1762, deixando 6 filhos com idades entre 1 e 9 anos. Bento seguiu ainda por um tempo vivendo nas terras.

“Ao falecer Maria Rodrigues, se procedeu a inventario e as terras passaram aos órfãos, administradas por seu pai alguns anos, até que por causa de um crime que lhe imputaram de morte, se ausentou da Comarca e da Capitania e ficou o sitio ao desamparo”.

Por esse relato feito em 1797 pelo novo proprietário das terras ficamos sabendo dos motivos de Bento Francisco ter se ausentado. Antes dessa brusca mudança ele se casou novamente, agora com uma moça de Baependi: Ana Custodia de Jesus. Podemos deduzir isso do fato do primeiro filho desse segundo casamento ter sido batizado ainda em Carrancas em 1764: Na “ermida do Curralinho”: Uma capela de fazenda localizada na propriedade de Manoel Carneiro dono da principal fazenda produtora na área. Entre outros alimentos, a fazenda do Curralinho mandava grande quantidade de farinha de milho vendida a comerciantes estabelecidos nas Vilas de São João e São Jose. O fazendeiro foi um dos padrinhos de Francisco, primeiro filho do segundo casamento de Bento.

Vamos reencontrar Bento Francisco Simões na documentação da década de 1770, referente às cobranças dos “direitos de entrada” do Capivari - Registro da Mantiqueira (documentos referidos abaixo) e também nos censos que se fizeram na Capitania de São Paulo a partir da década de 1760. Os registros paroquiais de batizados também trazem outras informações que nos ajudam a compor um quadro de sua família.

Em 1785 o filho João Batista é batizado em Baependi terra de sua mãe. Outro filho tem seu registro em Lorena - São Paulo e pelos registros dos censos sabemos que ele passou a viver no Bairro do Embaú ao pé da Serra da Mantiqueira, caminho que ligava São Paulo às Minas e por onde Bento passava sua tropinha com sal, alguns barris de cachaça de sua produção e as vezes um animal para vender em Minas.

Podemos acompanhar algumas de suas passagens pelo Registro da Mantiqueira: As ligações entre as duas Capitanias eram freqüentes e predominavam os tropeiros moradores nas vizinhanças dos dois lados da fronteira. Bento passou 3 vezes entre março e julho de 1776. 4 vezes entre Janeiro e Setembro de 1777. 3 vezes entre agosto e novembro de 1783. 3 vezes entre janeiro e dezembro de 1784.Foram os registros que sobreviveram na documentação hoje depositada no Arquivo Publico Mineiro em Belo Horizonte – coleção da Casa de Contos)

Pelas listagens dos censos de Lorena e Guaratinguetá arquivados no DAESP de São Paulo acompanhamos a família desde 1783 ate o ultimo registro disponível sobre Bento no censo de 1796.

Em 1783 ele foi recenseado na Freguesia da Piedade (atual Lorena) no fogo 203 com 56 anos declarados, ao lado de sua mulher Ana Custodia que declarou ter 36 anos. Com eles estavam 11 filhos e 19 escravos e sua renda era avaliada pela produção do ano de 100 barris de cachaça. Ao lado no fogo 206 morava João Ferreira da Encarnação outro português casado com paulista que foi o doador do “patrimônio” da capela de Nossa Senhora da Conceição do Embaú.

O Censo de 1784 apresenta mais detalhes da família: Moravam com o casal 13 filhos que o censo discrimina como sendo 6 do primeiro casamento e 7 do segundo: São eles: Jose, Manoel, Genoveva,João,Maria e Ana do primeiro casamento e Maria, Francisca, Francisco, Antonio, João, Joaquim e outra Maria do segundo. O mais velho Jose declara ter 30 anos e ainda é solteiro como todos os demais. (As idades nesses censos devem ser vistas com cautela já que de um para outro nem sempre mantêm a coerência). O filho João nascido em Lorena e que sabemos se habilitou para o sacerdócio só aparece no censo de 1789 com seus 7 anos de idade indicando a possibilidade de serem mais de 13 filhos os filhos de Bento.

Em 1796 ultima anotação disponível, Bento declara ter 78 anos de idade a mulher Ana Custodia 42 anos e ainda 9 filhos estão vivendo junto ao casal. Os escravos continuam sendo em numero de 19 para tocar a roça e o engenho de cana. Ao lado ainda continua vivendo Maria Silveira agora viúva de João Ferreira da Encarnação o doador do patrimônio da capela, cercada de muitos filhos pequenos

No censo de 1784 temos o quadro mais detalhado da vida econômica familiar. Naquele ano foi registrado que o casal possuía uma casa na Freguesia e no sitio um engenho de cana.

A produção tinha sido de 250 alqueires de milho, 79 alqueires de feijão e 30 alqueires de arroz. Provavelmente esses mantimentos eram consumidos pelo conjunto dos moradores constituído por 34 indivíduos: O casal, seus 13 filhos e 19 escravos. A renda monetária da família vinha da venda da produção que se mantinha em 100 barris de cachaça por ano e possivelmente da eventual venda de alguns animais: 25 cabeças de gado e 20 porcos era o estoque deixado no ano. Nas viagens para Minas eram levados uns poucos produtos. Pagou de direitos de entrada 10.500 reis em 1776 e 15.000 reis em 1777. Em 1783 13.000 reis. Um pouco mais em 1784 51.000 reis.  

A partir de 1796, Bento Francisco não aparece mais nos censos paulistas. Mas poderíamos seguir acompanhando esse conjunto familiar através de seus filhos. É uma pesquisa possível de ser feita. Os arquivos paroquiais e cartoriais ainda não foram explorados a fundo.

No Registro da Mantiqueira nos anos de 1785 a 1788 passou um tropeiro chamado Manoel Francisco Simões que pode ser um de seus filhos. A atividade comercial por esse caminho se intensificou nesse final do século ganhando cada vez maior volume e importância no abastecimento e tráfego de mercadorias em direção ao Rio de Janeiro através do caminho da “Paraíba Nova”. No ano de 1785 esse tropeiro pagou 150.000 reis em direitos e uma pesquisa mais extensa pode trazer novos elementos. Também nos arquivos cartoriais de Lorena existem inventários de filhos falecidos nas primeiras décadas do século XIX. Esse trabalho esta por ser feito e muitos dados poderão ajudar a entender mais da vida dessa parcela da população do Sul de Minas e da dinâmica de seu desenvolvimento na economia, na ocupação do território na organização familiar, enfim, sua formação social especifica.

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Documentação consultada e (ou) citada: Alem dos estudos de família do Projeto Compartilhar ao qual remetemos o leitor em (www.projetocompartilhar.org) utilizamos os seguintes documentos:

APM - Arquivo Público Mineiro – Belo Horizonte - Coleção Casa de Contos – CC1309/1385/1455/2152

DAESP – São Paulo - Censos de Guaratinguetá e Lorena dos anos de 1783/1784/1789/1790/1796

MRSJR- Museu São João Del Rei – IPHAN –

Inventario de Maria Rodrigues de Jesus –cx 123

Medição de sesmaria – sesmeiro Alferes Manoel Freire 1797 – SM-35 e mapa anexo ao processo em exposição no Museu Regional de São João Del Rei

 

Tipo do documento - Inventario - Museu Regional de São João Del Rei IPHAN cx 123

Data - 1762

Inventariada: Maria Rodrigues de Jesus

Inventariante - Bento Francisco Simões – viúvo

Local - Freguesia das Lavras do Funil - Termo da Vila de São João Del Rei - Comarca do Rio das Mortes. "Em casa de morada do viúvo".

Faleceu sem testamento deixando os seguintes filhos de seu legítimo matrimônio com o inventariante:

1. Jose de idade 9 anos;

2. Maria de idade 7 anos;

3. Genoveva de idade 5 anos;

4. Manoel de idade 4 anos;

5. João de idade 3 anos;

6. Ana idade 1 ano.

Bens de Raiz; Um sítio com casas de vivenda, paiol, senzalas, chiqueiro, um monjolo e cozinha tudo coberto de capim com suas terras de matos virgens e capoeiras. Confronta de um lado com terras de Martinho da Silva, de outra parte com Antonio Leite e Maria Alves de Porciúncula viúva de Francisco de Ávila Fagundes e de outro com o Rio do Ingai. Tudo avaliado em 360.000 reis.

7 escravos sendo 5 homens e uma Mulher adulta com sua filha também escrava.

Animais:

24 cabeças de gado entre grandes e pequenos;

70 cabeças de porcos;

2 cavalos;

4 bois de carro

Mantimentos:

500 mãos de milho empaiolado;

6 alqueires e ¾ de milho plantados na roça;

¾ de planta de mamona

Ferramentas, Objetos de casa em estanho e cobre, 2 selas velhas com estribeiras de ferro e xaréis de couro cru. Um carro ferrado e duas cangas.

Deve um credito a "um homem da Borda do campo que, lhe não sabe o nome". "O que constar";

Deve a João Caetano morador na Vila de São João de fazendas que comprou. "O que constar".